segunda-feira, 23 de julho de 2012

O mistério do ego


Por Luiz


A palavra "ego" aparece 10 mil vezes mais em publicações esotéricas do que na psicologia. Provavelmente aparece mais ainda em literatura latina clássica, já que traduz-se como "eu" em português. Podemos ver que a derivação é direta do latim.

Na psicologia, surgiu na tradução americana de Freud, uma vez que os tradutores não queriam escrever "eu", "outro-eu" e "isso"(em inglês ou em outras línguas), então escreveram ego, alterego e id. Hoje essa tradução é rechaçada por muitos pesquisadores favoráveis a uma abordagem mais consistente, na minha opinião, pois essas palavras latinas mistificam para o leigo os conceitos que representam essas categorias freudianas.

Muito bem. Nesse contexto, a literatura esotérica de inspiração hindu e budista encontrou na palavra ego uma "boa" tradução para diversos conceitos, como citta (que ficaria melhor como "mente"),aham (que seria então "falso-eu") e muitos outros conceitos. Todos eles, na passagem para o inglês, foram jogados no saquinho do ego, uma palavra já mistificada e definida por um conceito genérico de consciência mental, que nem sequer corresponde à noção psicológica subjacente à própria mistificação em si.

Esse erro faz com que a gente leia um monte de ego por aí colocados sem reflexão. É o processo da repetição irrefletida e impulsiva, que podem ocorrer no ensinamento por via oral e livral (nenhuma crítica a essa método de aprendizado, gente). Poderemos dizer então que a forma do ensinamento não tem nenhuma importância, que são palavras apenas, mas essa colocação de palavras denota uma tendência preocupante...

O que as pessoas (muitas delas) estão fazendo em termos de espiritualidade hoje não é saudável no sentido da relação que temos com nossa manifestação. Ou seja, o eu verdadeiro é vislumbrado como um espírito perfeito e eterno que está em evolução para manifestar sua união com o divino, e a manifestação atual fica empobrecida, é definida como um estágio imperfeito e probatório, é o falso-eu. Então você se identifica com a matéria, os prazeres e o corpo e isso é o falso-eu. Desejos, sonhos, projeções, isso é o falso-eu. E como podemos concordar com essa visão binária e simplista?

Sim, é deficiente e está ultrapassada. Os mestres antigos que serviram de inspiração a todo esse movimento foram mal traduzidos, mal interpretados e usados para a criação de pessoas muito convenientes: não se comovem, são pacíficas ao excesso, sujeitas, aceitam a tudo com resignação tímida: não querem ser humanos, mas o são.

Nenhum dos antigos mestres e escrituras quis que o homem diminuísse seu ego, seu eu. Se o fez, pode ser jogada na labareda sem medo. A tradução é e deve ser direta: ego = eu e pronto. O espírito não vive na plenitude enquanto manifesta um ser evolutivo imperfeito - isso é um pensamento muito trágico, despreza e "ilusioniza" a matéria. A matéria tem realidade e é ligada ao conceito de espírito (alguns chamariam isso de "animismo" com algum desprezo na voz). As pedras, rios, árvores, construções e objetos, todos os astros e planetas, o vácuo, o ar, tudo isso é vivo, pois o Universo consiste num grande organismo. Espírito e matéria são uma e a mesma coisa.

Podemos dizer que a dualidade é que é a ilusão verdadeira, então não existe alma X corpo, eu verdadeiro X falso-eu, o bem X o mal etc. Já podemos jogar tudo isso fora para maior leveza e clareza interior. Somos uma só manifestação, não imperfeita nem perfeita, pois esses são conceitos duais ainda, mas apenas plena e ligada à totalidade. Sem uma forma, não haveria ação no universo, não haveria movimento, criatividade, sentimentos, prazer/dor, nada mesmo...

O espírito é o próprio ego que ele precisa para existir, e só isso dá a ele alguma substância real, não hipotética. O que chamamos de divindades (seja uma ou várias) são aspectos nossos; nós contemplamos o que classificamos como virtudes e colocamos em formas, como o cosmo faz com nosso corpo. Podemos fazer o mesmo com demônios. Isso é só estorinha pra ajudar a entender coisas, como conos de fada. Essas forças são adoradas e servidas, mas o serviço real deve ser prestado à fonte delas, o Cosmo Infinito, que é um só e todos nós. Estamos nisso, somos isso já e sempre. Então, perde o sentido viver em privações, se esquivando e rotulando o bem e o mal no cotidiano.

O ego é a fonte da consciência divina, ele dança com as forças naturais, ele as transforma e é por elas transformado. Ele é um com elas. O homem místico é integral: age no mundo, toma partido, entende a vida e a morte. Se as pessoas o identificam mais com o lado "bom" da ilusão binária, é porque ele está enquadrado num movimento cultural, mas isso não importará para ele, que está além do bem e do mal.

2 comentários:

  1. Muito bom. Texto lúcido e coerente.
    Vejo muitos textos crucificando o ego e que o mesmo seria contra o espiritualismo. Nada mais equivocado.
    O ego é a nossa ferramenta para enfrentar a realidade de terceira dimensão, precisamos dele para interagir com o mundo que nos rodeia. Excessos egoicos é outra coisa, estes sim precisam ser administrados.
    É muito bom divulgar este tipo de informação contida no texto.
    abraços

    ResponderExcluir
  2. Valeu Atena, esse assunto do ego sempre me intriga, prefiro usar outras palavras, para não cair em contradições com as interpretações alheias

    =*
    o/

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...