terça-feira, 20 de setembro de 2011

Aventuliência



Por: Luanna Ribeiro


Nem com o tempo adquire grandes defesas e as poucas que criei por instinto de sobrevivência são falíveis. Acho que cresci imune a adultices, olhando o mundo quase sem estar dentro dele. Nunca usei óculos cor de rosa para enxergar a vida, mas sempre tive a estranha mania de ver as coisas de um jeito diferente, um tanto dadivoso, um tanto manipulador, sempre gostei de colocar o que é bom na frente, apesar de ser inútil muitas vezes. Coisa de quem sente muito, aliás, coisa de quem sente tudo e torna o resto inexpressivo, codifica apenas o que deixa algum registro, por menor que seja. Pessoas como eu, percebem facilmente que digitais não se apagam das vidas que são tocadas e entendem depressa que tudo é uma questão de toque, ainda que invisível. Nós sabemos que ninguém é capaz de entrar ou sair da vida dos outros sem deixar alguma coisa sua e sem levar alguma coisa que não lhe pertence também.
É invejável a predisposição natural de algumas pessoas para adaptação, tem gente que nasce com uma espécie de sintonizador de fábrica que eu jamais tive, nunca fui adaptável e talvez seja tão inapta para continuidades quanto sou breve para o que não tem raiz, eu sou a que vive por um triz, inquieta e perturbadora, extrema e virada do avesso, do tipo que adora gente e adora estar sozinha ao mesmo tempo, que quer sossego e opta por caminhos turbulentos, sou a que cansa e não sabe amar com fim. Quando estou alegre disparada sou a mais feliz, agora quando a tristeza pega algo morre dentro de mim, sou absorvida e murcho altiva, se não intervir, desfaleço como a flor sem água e luz. Eu apenas paro e quando a gente pára tudo congestiona. Parar é como morrer em silêncio envenenado por si mesmo. Essa é a morte que não mata, mas dói do mesmo jeito, dói como se você tivesse morrendo.
Chega à hora em que você precisa aceitar que as pessoas como são como são e diante disso pouco pode ser feito além de escolhas, certas, difíceis ou nada brilhantes. É como um atalho para passar de nível, com esforço, você deixa de estar feliz para ser feliz, apesar das inúmeras alterações da vida, apesar do que os outros são e do que você é também. Já que de fato a única mudança que esta em suas mãos é a sua própria, então você decide ser a mudança que deseja para o mundo, ainda que não resolva para muitos e só funcione no limite do seu universo particular e se nem isso, paciência. Viver é assim mesmo, coisas ruins acontecem e pronto, coisas boas se não vem por acaso, vem com o tempo e as melhores ouvi dizer por aí que surgem de repente e nem adianta espernear, porque o que tem que ser tem muita força e discutir com Deus é pura perda de tempo.
 Acontece que viver nos obriga estar dentro, ainda que não no centro, senão perdemos o viço, perdemos o foco e nos perdemos. Quem se afasta demais do bulício da vida, senti cada retorno como um renascimento, todas às vezes, inevitavelmente, você precisa reaprender algo de novo, as intempéries misturam-se aos dias bonitos e não é fácil lidar com essa pluralidade de circunstâncias, de sentimentos e de gente. Tomar consciência do que existe enredado em cada canto obscuro da alma é a sobriedade cortante que, no mínimo, provoca arranhões significativos na maturidade e não garante à indulgência de receber serenamente tudo o que a vida oferece. Misturar muito as coisas é um perigo não sinalizado, bebi tantos pensamentos, engoli algumas pessoas e mastiguei várias amarguras, minhas e suas, hoje acordei de ressaca.
 É difícil administrar o que cada um é, o crivo de cada história, isolada ou cruzada em tantas outras, as marcas que trazem de volta o que passou, as inúmeras inquietações de agora e as apreensões do que estar por vir… Todas as abdicações, dúvidas, aceitações, decepções e abandonos que melhoram ou pioram a gente. Não lembrar pode ser providencial, alguns não recebem essa benção, a de esquecer e lembram de tudo, não esquecem nada. Conviver com todas as lembranças sem o benefício do perdão pode ser mortificante.  Tenho pena de quem pensa que perdoar é esquecer, perdoar é irrefutavelmente um gesto de amor que pode ou não recuperar o estilhaçamento da confiança.
Bem aventurada resiliência, é muita escatologia para pouco saneamento, as vigas são de aço, mas o que é de carne vez ou outra sangra mesmo, não tem jeito. E ainda falta tijolo, ainda falta cimento, ainda falta crescer e ainda falta ser gente. E muito embora poucos vejam, todos carregam o peso do que abre passagem para a mudança em dizeres permanentes “EM CONSTRUÇÃO”. E assim eu sigo, construindo, destruindo, reconstruindo ou simplesmente indo, já que para sorte de todos, cada dia é um novo recomeço. Então, seja o que Deus quiser, seja o que cada um puder, se cada um quiser e também fizer. É preciso querer para viver, é preciso ousar ser quem é. Há dias que sinto o cheiro de Deus bem perto, é quando não vejo, mas sei que Ele esta presente e esse é o meu adiante mais crente, valente e de frente.
(texto original em http://sandracajado.com.br)

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